ACONTECE NA SERRA DO RIO

“A humanidade deu errado”, diz Ailton Krenak, em conversa com Míriam Leitão, no Flipetrópolis

“A humanidade deu errado”, diz Ailton Krenak, em conversa com Míriam Leitão, no Flipetrópolis

“Os humanos que têm nojo da terra me incomodavam muito; e pensei como vou dizer isso sem ofender demais? Então, pensei em criar o “Ideias para adiar o fim do mundo” – Ailton Krenak

* Por Márcia Maria Cruz

Um auditório lotado chamou em coro por Ailton Krenak para subir ao palco da primeira mesa do penúltimo dia do Festival Literário Internacional de Petrópolis no Palácio de Cristal, neste sábado (4/5) . O filósofo, ativista e imortal pela Academia Mineira de Letras (AML) e Academia Brasileira de Letras (ABL) foi entrevistado pela jornalista e escritora Míriam Leitão.

Ailton cumprimentou a também imortal pela AML Conceição Evaristo, que subiu ao palco para abraçá-lo.

Ao apresentar Ailton Krenak, Míriam Leitão destacou que os dois nasceram na mesma região da Bacia do Rio Doce e lembrou que os antepassados de um e de outro, possivelmente, teriam vivido relação de dominação. Miriam pediu desculpas, mas Ailton lembrou que não é necessário o pedido. “Não precisamos pedir desculpas uns aos outros. A colonização foi feita a ferro e fogo”, disse. O filósofo lembrou do livro “A ferro e fogo – história natural da Mata Atlântica”. Ailton lamentou que a destruição da Mata Atlântica nunca teve a atenção devida da sociedade brasileira e que esse livro é fundamental para entender o processo de destruição do bioma. “Quando você nasceu, quando eu nasci, já não havia mata. Nascemos num lugar sem mata, porque retiraram as matas. Estamos refazendo as matas”, sentenciou.

Ao responder a uma pergunta de Míriam sobre o pensamento que guia o livro “Ideias para Adiar o Fim do Mundo”, Krenak fez uma reflexão da relação que os seres humanos estabelecem com a Terra, o planeta, e a terra elemento. Ailton invoca Carlos Drummond de Andrade para falar da relação predatória dos homens com as montanhas. E disse que essa relação de distanciamento com a terra começa na infância, quando as crianças são ensinadas que a terá é suja. “Os humanos que têm nojo da terra me incomodavam muito, e pensei como vou dizer isso sem ofender demais. Então, pensei em criar o ‘Ideias para adiar o fim do mundo”. Neste momento, Ailton criticou a humanidade que está “bombardeando Gaza, ferrando a Palestina, destruindo o mundo inteiro.”

Como faz em sua obra, Ailton critica o conceito de humanidade, que, como costuma dizer, não é homogênea. E disse que embalar o sonho de igualdade, fraternidade e liberdade é uma forma de nos enganar. “Existem livros de autoajuda. Vou escrever um livro de auto engano. Não somos homogeneidade. A gente se controla para não morder uns aos outros. Deus disse ‘criei essa desgraça, agora vou colocar uma focinheira neles”.

Míriam Leitão

Ao falar do livro “Um rio, um pássaro”, Míriam relembrou a cena do povo Krenak chorando diante da destruição do Rio Doce, pelo rompimento da barragem de mineradoras, em Mariana. Ailton neste momento fez referência ao pensamento indígena, o entendimento do povo Krenak do uatu. Os conhecimentos dos povos indígenas guardam a memória da Terra. Esse pensamento foi abordado por Eduardo Galeano no livro “Memórias do Fogo”, de Eduardo Galeano, que reúne fragmentos de narrativas pré-colombianas de povos que viviam misturados à natureza. Ailton citou a importância das legislações defenderem os direitos dos seres não humanos, que transforme, por exemplo, o assassinato de um rio em um crime hediondo.


Míriam lembrou do momento histórico em que o jovem Ailton Krenak, usando um terno branco pintou a cara de jenipapo, na Assembleia Constituinte, um protesto para que os direitos indígenas integrassem a Constituinte.
Ailton participou de movimento dos indígenas que garantiu a inclusão do artigo 231 da Constituição: “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. No entanto, Miriam destacou que, neste momento, em que um segmento no Congresso Nacional quer emplacar a tese do marco temporal, considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, há o risco de retrocessos no que se refere ao direito dos povos indígenas.

Ailton apresentou o livro “Amazônia na encruzilhada: O poder da destruição e o tempo das possibilidades”, escrito por Míriam Leitão, como um dos trabalhos mais completos sobre a disputa econômica na exploração de matérias-primas. Neste momento, de forma bem descontraída, Míriam brincou: “alguém está fotografando. Tenho que ter esse registro”.

Para finalizar, Ailton falou do livro “Um rio um pássaro”, resultado de longas jornadas com o fotógrafo japonês Hiromi Nagakura em que visitaram diversos povos indígenas. Esse momento rendeu o momento mais divertido da mesa, quando Krenak brincou contando uma fábula com a imagem de indígenas isolados que faziam rituais com astronautas.

Ao final, os autores concederam autógrafos.

Assista aqui a conversa no YouTube do Flipetrópolis:
https://www.youtube.com/watch?v=LZjnJ6H8LMg

Sobre o Flipetrópolis
A primeira edição do Flipetrópolis tem o patrocínio do Grupo Águas do Brasil, via Lei Rouanet do Ministério da Cultura, com apoio cultural do Itaú e da GE Aerospace e parceria da Prefeitura de Petrópolis. Todas as atividades realizadas dentro do Flipetrópolis são gratuitas. Com a curadoria de Afonso Borges, Sérgio Abranches, Tom Farias, Gustavo Grandinetti e Leandro Garcia, acontece entre os dias 1.º e 5 de maio de 2024, no Palácio de Cristal.

Serviço:
Festival Literário Internacional de Petrópolis – Flipetrópolis
De 1.º a 5 de maio de 2024, de quarta-feira a domingo
Local: Palácio de Cristal – R. Alfredo Pachá, s/n – Centro, Petrópolis / Programação Digital – YouTube, Instagram e Facebook – @flipetropolis
www.flipetropolis.com.br
Entrada gratuita

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